domingo, 22 de julho de 2012

Recap de Drácula - Parte 2

Vamos continuar nossa cruzada no esclarecimento de quem nunca leu Drácula, o livro, na vida. Se você caiu aqui de pára-quedas, volte na parte 1 agora!

Se já leu a parte 1, pode clicar na quebra. É a hora de Mina Harker, uma das heroínas mais injustiçadas da literatura, mostrar a que veio. Aproveito para mostrar por que eu acho que esse livro pode até não ser feminista, mas está longe de ter uma mensagem machista. (E por mais que a Liga Extraordinária de Moore seja legal e eu tenha gostado... por mais que as desconstruções de Drácula sejam legais... Eu não consigo ver o casamento dela com Jonathan se deteriorando depois da morte de Drácula, nem Mina sentindo qualquer saudade do Conde. Malzaê.)




No recap passado, eu disse que, entre a morte de Lucy e sua transformação em vampira, o professor Van Helsing visitou Mina Harker. Eu não falei muito disso antes para não quebrar a sequência dos eventos, mas agora vamos voltar a essa parte.

Após receber alta do hospital e voltar a Londres, o chefe de Jonathan Harker decide promovê-lo a sócio de sua empresa. É difícil dizer se ficou impressionado com o volume de vendas que ele fez ao Conde, ou se ficou com medo de que Jonathan, órfão e sem parentes próximos, ficasse desamparado caso algum imprevisto aconteça. E ele acontece: logo que é promovido a sócio, Harker perde seu ex-chefe e única figura paterna que tinha. Como se não bastasse, quando faz um breve passeio a Londres juntamente com Mina, adivinhem quem ele vê passeando livre, leve, solto e rejuvenescido, depois de todo o sangue que já bebeu (apesar de que a cicatriz na testa ainda está lá...)? Sim. O Conde Drácula.

Tá, parei.

Com isso, Jonathan tem uma recaída de sua "febre cerebral", e revela a Mina o diário que manteve no Castelo Drácula.

Ao receber a carta de Van Helsing, Mina chega a pensar que ele quer recriminá-la por alguma coisa em relação à morte de Lucy, mas também se consola com o pensamento de que pode consultá-lo a respeito do marido. Nesse ponto, é preciso que eu fale um pouco sobre o humor sutil do livro: o Professor tem um humor negro/sarcástico que mais de uma vez faz o Dr. Seward levantar as sobrancelhas.  Já Mina tem um humor irônico tão sutil que quase se perde no ruído da história. Por exemplo, quando o Professor pede a ela que dê esclarecimentos sobre a doença de Lucy, Mina diz que pode relatar tudo corretamente. Van Helsing observa que memória para minúcias não é uma característica comum em senhoritas e ela replica que ela não tem essa memória, apenas relatou tudo em diário. Sé que, como pontuei na parte 1, pouco mais adiante nesse diálogo, Mina diz que decorou a FREAKING TABELA FERROVIÁRIA DA CIDADE DELA. Não se faz isso sem boa memória.

Talvez invocada com a opinião do professor a respeito de sua memória, talvez sentindo que ele é um tipo sabichão e querendo lhe dar uma lição, Mina apresenta a ele o diário para que ele leia os detalhes que quiser. Só que o diário dela está escrito código, lembram? O professor acaba levando a coisa na esportiva, tão na esportiva, na verdade, que Mina fica um pouco sem graça e passa a cópia datilografada do diário. Isso por que ela já imaginou que o Professor poderia querer ler sobre a doença de Lucy e datilografou previamente essa parte. Proatividade nível 100.

Ela dá um tempinho para que Van Helsing leia as páginas e, quando ele a parabeniza por todas as coisas que ele aprende nessa leitura, Mina termina caindo em pranto diante dele e pedindo ajuda para o caso do Jonathan. É o primeiro ataque de nervos dela no livro, sendo que o marido dele já teve dois (e o Professor teve um no enterro de Lucy, que não foi resolvido nem com bofetadas). Quem é o sexo frágil agora? Hein? Hein?

Ele a acalma, pacientemente, e extrai dela os acontecimentos envolvendo Jonathan. Pega o diário dele para se inteirar do assunto, e promete que o examinará pela manhã seguinte. À tardinha, ele manda uma carta dizendo que já leu o diário de Harker e que tudo ali é verdade, além de solucionar o mistério que ele investigava (isso é, quem era o ser que atacou Lucy). Saber que não está delirando quando se lembra das vampiras e de outras experiências traumáticas da Transilvânia faz tanto bem a Jonathan que ele vai no hotel do Professor recebê-lo, na manhã seguinte, e os dois se tornam bons amigos.

Depois desse interlúdio, temos todo o processo do estaqueamento da Lucy, de que já falei. Logo após voltarem do cemitério, Van Helsing já telegrafa para o casal Harker e pede para que eles viajem para Londres. Mina viaja imediatamente, enquanto Jonathan aproveita sua nova posição de dono de uma firma imobiliária para poder investigar as idas e vindas do Conde.

Vou resumir essa primeira fase da campanha contra o vampiro em três fatos importantes: a) A sensibilidade feminina de Mina e seu pragmatismo conquistam para ela a amizade (levemente colorida) dos três ex-pretendentes de Lucy, b) Mina e Jonathan levantam dados e datilografam resumos e evidência com eficiência de dar inveja ao CSI, c) Van Helsing faz sua famosa palestra, em que ele diz tudo o que aprendeu sobre vampiros durante o tratamento de Lucy, e que vira a base da literatura de vampiros que virá depois.

CSI - Londres Vitoriana

Ao fim da palestra, o Professor chama Seward de lado e decide cortar Mina totalmente da campanha, "porque ela é mulher, e as coisas já são feias o bastante para os homens". Feministas trincam os dentes nesse ponto, mas tentemos olhar pela perspectiva do professor: ele é, presumivelmente, um cinquentão (ou sessentão muito bem conservado), e parece ser o tipo que baba por mocinhas jovens que lhe deem atenção, o que quer dizer que caiu por Lucy e Mina à primeira vista. Faz apenas um (longo) dia que Lucy foi estaqueada e ele ainda tem esse estresse emocional nos ombros. Adicionemos a isso o fato de que o Conde não fez esforço para morder nenhum homem (ele poderia facilmente ter vampirizado o Dr. Seward, que, ao contrário de Van Helsing, é protestante e nunca usou um crucifixo enquanto vigiava o sono de Lucy); o tempo todo o vampiro é visto correndo atrás de garotas (estava perseguindo uma em Londres). Parece bem óbvio que Mina seria o alvo preferencial dele por ser mulher, e isso não tem nada a ver com o quanto ela é inteligente ou durona.

Infelizmente, essa atenção cavalheiresca não atinge seu objetivo. Com Mina à margem do grupo e, de certa forma, recebendo menos atenção dos atarefados homens, logo vemos com terror ela ser atacada e, como Lucy, não conseguir falar nada a ninguém de seus incômodos.

Nesse ponto, preciso falar mais de Renfield, o paciente que mencionei de passagem na parte anterior. Ele está quase sempre dando as caras no diário do Dr. Seward, onde às vezes se mostra praticamente são, às vezes um pouco louco, às vezes muito louco e, com o Conde por perto, homicidamente louco. Demora para cair a ficha do médico, mas logo que Harker reconhece a mansão ao lado do hospício como uma das casas que vendeu ao Conde, Seward nota que as crises de Renfield coincidem com os ataques sofridos pela Lucy. Aparentemente, a natureza "vampírica" da loucura de Renfield faz com que o Conde tenha sobre ele quase o mesmo controle que tem sobre os animais.

Todos passam a vigiar o paciente, tentando obter pistas sobre o Conde através dele, mas sem muito sucesso. Até uma noite em que ele é ouvido gritando e é encontrado quase morto à beira da cama, em uma poça de sangue. Seward e Van Helsing são os primeiros a acudir os chamados dos enfermeiros, e, ao vê-los Renfield faz a terrível (mas absolutamente óbvia) revelação: o Conde está no hospício, e tem bebido o sangue de Mina já há alguns dias. Seus burros. Morris e Holmwood chegam, e o homem explica que, a princípio, o vampiro prometeu a ele vidas animais em abundância, mas, como nunca cumpriu suas promessas, Renfield vai ficando cada vez mais arrependido de permitir a entrada do Conde a cada noite e de emprestar a cela dele para que Mina possa ser drenada sem interrupções. O pobre louco tenta impedir o vampiro, mas é esmagado como um inseto.

Com o coração apertado, os quatro vão até o quarto dos Harker ver se está tudo bem. Quando estão parados à porta, o Dr. Seward relembra que não é educado entrar sem avisar nos aposentos de um casal. Vai que Drácula não passou por ali e eles estão se divertindo, né? O leitor então sente o calor emanar do livro enquanto Van Helsing reprime sua irritação, e ele responde: "Eu só vou testar a maçaneta uma vez. Uma vez. Se não abrir, VOCÊS ARROMBAM A MALDITA PORTA, ENTENDERAM, MARIQUINHAS?". Bom, não com essas palavras, mas o sentido é claramente esse.

Obviamente, a porta está trancada, então, os três envergonhados jovens a arrombam de uma vez e, de quebra, jogam Van Helsing estatelado dentro do quarto. Não, sério. Isso realmente está no livro. É bizarro como uma cena tão pastelão pode estar antes de um dos momentos mais terríveis do livro: a cena onde o Conde estupra obriga Mina a beber o sangue dele. Pois é. Nada de mordidas sensuais, nada de prazer inenarrável ao provar o sangue imortal, e qualquer baboseira que o Drácula da Universal adorava fazer. Ela é violentamente forçada contra o peito ferido dele, de modo que, ou bebe o sangue de Drácula, ou morre afogada. Tão violentamente, na verdade, que está cheia de hematomas nos braços. Ah, sim, e Mina não gritou durante todo o processo porque o Conde ameaçou quebrar a cabeça de seu marido, caso ela o fizesse. É um cavalheiro, esse homem.

Os três jovens caçadores ficam estáticos enquanto observam a cena. É Van Helsing, depois de se levantar (provavelmente resmungando contra essa juventude desmiolada), que tem o sangue frio de confrontar o Conde com a Hóstia antes que ele ataque seus amigos. Fortalecidos, os outros levantam seus crucifixos e, como o Conde é ateu militante e não suporta ver símbolos religiosos, brinks, vou pro inferno por essa,  e o vampiro não tem outra escolha, se não fugir do quarto.

Holmwood e Morris vão atrás do Conde, enquanto Van Helsing aconchega um cobertor sobre a traumatizada Mina e tenta acordar seu marido do estupor em que o vampiro o colocou. Seward apenas balança a cabeça, confuso (é o que aprece estar fazendo, já que não faz mais nada de útil). Olha, é forçar a barra dizer que Drácula é uma história inteirinha sobre sexualidade reprimida e coisa e tal, mas se essa cena com a Mina não é um estupro, eu como meu (metafórico) chapéu. Não tanto por ele forçá-la a fazer qualquer coisa que seja, é mais pela reação que ela tem depois: machucada, envergonhada, cobrindo o rosto e dizendo que está impura e indigna de ser tocada... Até esse momento, Mina sempre foi forte, mais forte que vários dos homens que a cercam, mas vê-la arrasada nesse capítulo corta o coração.

Aliás, não sei como os homens de Drácula foram ganhar o título de porcos machistas só porque sugeriram que Mina, como mulher, não deveria participar da luta contra o vampiro. O modo como cuidam dela depois de flagrar a cena com Drácula é tudo o que machistas toscos não fariam: Jonathan, já acordado, a aperta nos braços e diz que é para ela deixar de ser boba, pois ele a ama e nada, nada, vai mudar isso.

Os outros, especialmente o Professor, fazem o possível para reconfortá-la. Quando a Hóstia causa nela um ferimento, por causa de seu elo com o Conde, a reação daqueles homens é darem-se as mãos, se ajoelharem numa oração e prometerem não descansar enquanto a ligação maligna não for quebrada. Ainda se isso só puder ser alcançado se for necessário caçar o vampiro até os confins do inferno.

Notem que Seward, Holmwood e Morris só conhecem Mina há quatro dias. O Professor, há cerca de dez. E eles vão arriscar a vida por ela. Ninguém dá as costas pra ela, ninguém olha pra ela estranho, o marido não tem para ela um único olhar de rejeição. Sei lá, lendo Drácula, eu tenho a sensação que os seis protagonistas terminam se tornando uma família, onde todos se fortalecem. Quando um precisa de apoio, os outros estão prontos a oferecer.

Vingança pela morte de Lucy jamais é mencionado, e a própria Mina, depois de compreender melhor como funciona o vampirismo, insistirá daqui por diante que a missão deles é libertar a alma humana do Conde de seu eu amaldiçoado, e não exterminá-lo em uma missão de ódio.

Enfim, depois da cena com Mina, Van Helsing explica que uma das limitações vampíricas é que o vampiro deve dormir sobre terra consagrada do lugar onde morreram. Daí o porquê do Conde Drácula ter mandando várias caixas enormes de terra transilvaniana para a Inglaterra. Logo, eles devem achar todos os caixões de terra e consagrá-los com a Hóstia, o que irá banir o Conde de usá-los.

Essa nova fase de buscas termina de forma agridoce: eles destroem todos os caixões, menos um, e têm um encontro com Drácula, no meio de Londres. Os cinco homens estão montando tocaia numa sala e, quando o Conde pula lá para dentro, é Harker que parte para o ataque. Armado apenas com uma faca de caça. Infelizmente, ele não acerta o vampiro, mas rasga o bolso dele. Dinheiro rola lá de dentro, e temos a deliciosa visão de Drácula catando cavaco enquanto corre para a janela, já que ficou sem grana até pra um busão trem.

"Isso à direita é catar cavaco, crianças."

Antes de pular da janela, Drácula faz pose e diz algumas frases desaforadas e um tanto indignas de sua pessoa, porque soam mais como "bobos, feios e caras de mamão". O que robustece a tese de Van Helsing de que o Conde tem um cérebro essencialmente infantil.

A parte ruim? Ainda resta um caixão e pode estar em qualquer lugar. Ainda mais agora que o Conde sabe que está sendo caçado. Ops.

É Mina que salva a pele dos desesperados homens, quando percebe que pode ler a mente de Drácula, desde que a hipnose seja feita naqueles momentos onde ele tem menos poder: o crepúsculo e a aurora. É nesses momentos onde ela está livre da influência do Conde que a obriga a se calar, e pode falar livremente, e é quando ela pode reverter sua situação e entrar na mente de seu algoz. RÁ! Ela chama Van Helsing para que aplique nela os passes necessários para a hipnose e, ao ouvir a revelação dela, ele deduz que Drácula cascou no cerrado fez uma retirada estratégica.

Tudo parece bem: o vampiro foi embora e pode ser que leve 100 anos para voltar. O Professor joga água fria no entusiasmo de todos relembrando que, caso não matem Drácula, Mina vai se tornar uma vampira quando morrer. Mais que isso: quando era humano, o Conde era conhecido por nunca desistir de um ataque; se era derrotado, fazia uma retirada temporária e investia novamente contra o inimigo. Não é certo então, que eles deem ao vampiro mais tempo para preparar uma nova invasão, talvez bem-sucedida.

Jonathan usa, novamente, sua influência e um pouco do bom e velho suborno para descobrir em que navio o Conde embarcou. Descoberto o navio, todos os personagens embarcam em um trem, que deverá fazer o percurso mais rapidamente. O plano é interceptar o navio assim que ele ancorar em algum porto e acabar com o vampiro no ato. A princípio, Mina e Jonathan seriam deixados para trás por segurança, mas Mina (num de seus momentos de liberdade) avisa a eles que, caso o Conde dê a ela uma ordem mental de iludir seu marido e fugir para a Transilvânia, ela terá que atender. Assim, precisa ir na viagem e ficar sob a vigilância deles. 3 x 1 para ela.

A perseguição de trem é breve e, nesse meio tempo, o Conde percebe que Mina está lendo sua mente e fecha o elo mental, o que permite que ela possa se expressar mais livremente. Infelizmente, com isso, o vampiro percebe que está sendo perseguido de perto e consegue dar um olé em seus caçadores. O ato final, ao que tudo indica, será na Transilvânia.

Chegando lá, o Conde se adianta e segue caminho para seu castelo. Mais uma vez, Mina coloca os homens no caminho certo, deduzindo (corretamente) que o Conde está usando a via fluvial (para humilhar bem humilhado, ela escreve no seu diário os prós e contras de todas as formas de transporte que ele poderia utilizar e lê a dissertação resultante para os outros em uma reunião). Depois de Mina ser beijada por Jonathan e ter suas mãos apertadas pelos homens em volta, os planos de campanha são traçados. Aliás, Mina tem suas mãos apertadas. Não beijadas polidamente, mas apertadas, como os homens faziam entre si. Essa cena é feita de maneiricie no estado bruto.


Enfim. Morris e o Dr. Seward, como bons parceiros de caça, se unem em dupla para seguir o Conde cavalgando ao longo do rio. Holmwood decide comprar uma lancha a vapor e perseguir o barco com o caixão de madeira, e cria-se um impasse. Alguém tem que ir com ele para revezar na alimentação da lancha e, apesar de Jonathan querer ficar com Mina, digamos que um professor universitário quase na terceira idade não é bem o mais indicado para a tarefa.

Assim, Van Helsing e Mina ficam juntos, com o dever de ir de carruagem direto para o castelo, para o caso de o Conde não ser alcançado pelos outros. É divertido ver como o Professor aceita qualquer ajuda que Mina ofereça a partir daí, aparentemente já tendo aprendido sua lição de que ela não é tão frágil quanto ele supõe.

Os outros aparecem muito pouco a partir daqui porque, convenhamos, quem está cavalgando o dia inteiro e alimentando lanchas a carvão não tem muito tempo de escrever diários. E também porque o cérebro e o coração do grupo estão com Mina e o Professor, então, meh para os outros.

À medida que se aproximam do castelo, Van Helsing nota que Mina está com um comportamento cada vez mais vampírico, até que ela para de escrever o diário e é ele que toma para si a tarefa de cronista.

Quando estão aos pés do castelo, Van Helsing passa a traçar um círculo com terra e hóstia pulverizada em torno dele e de Mina, o que se prova uma sábia precaução. Logo, as três vampiras de Drácula aparecem para chamar por Mina (por mais que esteja dominada pelo local, ela as repudia, o que alivia o Professor). Após serem recusadas, as três passam a provocá-los, mas não se aproximam do círculo. Com isso, o medo de Van Helsing se evapora e ele passa a fazer suas tarefas como se as vampiras não estivessem lá. Elas ficam ao lado dos dois heróis a noite inteira. Imagino que o Professor tenha sido cavalheiro e omitido as zombarias delas e as promessas de prazer inenarrável, caso se juntassem a elas. De manhã, as três voltam ao castelo e Van Helsing arregaça as mangas. É hora de ser incrivelmente durão e mostrar por que esse ancião grisalho virou O caçador de vampiros, ao invés do heroico Jonathan Harker.

Ele se arma até os dentes e vai para o Castelo Drácula. Assim que entra, sai quebrando todas as dobradiças das portas que encontra, um movimento muito sábio, que separa os caçadores de verdade dos moleques.

Tu é molque! Pede pra sair!

Ele quase se hipnotiza pela beleza das vampiras, mas um "apelo espiritual" de Mina o desperta de seu transe. Não me perguntem. Ela estava longe demais para ser literalmente ouvida por Van Helsing, mas ele jura que ouviu a voz dela. Acho que temos um caso de paixão platônica aqui... Ou talvez eu esteja sendo uma shipper malvada, ele provavelmente só a vê como filha, do mesmo jeito que “adota” os mais jovens. Bom, prossigamos.

O Professor espalha a Hóstia por todas as tumbas para banir o Conde e qualquer outro vampiro de usá-las, e estaqueia e decapita as três vampiras. Pois é. Aquilo que Holwood ficou destruído por fazer uma vez? Ele faz três vezes. Por mais que nenhuma delas seja uma mulher amada por ele, o troço ainda é nojento e traumático. Como essas vampiras estão mortas provavelmente há séculos, elas se tornam pó assim que são decapitadas (isso não foi invenção de Hollywood). Depois disso, o Professor aproveita para santificar todas as entradas possíveis do Castelo, para ter certeza de que, caso escape, o Conde não terá para onde ir. Método e eficiência, crianças, é assim que se faz.

Agora, não resta muito a contar. Os três grupos se reúnem quase às portas do castelo. Os quatro homens que estavam sumidos estão perseguindo a carroça dos ciganos que leva a caixa de Drácula, enquanto Van Helsing e Mina estão deitados em uma pedra, armados, dispostos a atirar em quem tentar passar por eles, como bons snipers. Por que nunca colocam isso no cinema, cara?

Eles conseguem parar os ciganos, que, encurralados, tiram facas da cintura e parte pra briga. Jonathan e Quincey alcançam o caixão. Jonathan, com sangue nos zóio, corta a cabeça do Conde com sua faca enquanto Quincey espeta o coração do vampiro com um facão enorme. Ele se desfaz em pó e Mina se liberta de sua maldição. Infelizmente, os ciganos esfaquearam Quincey antes dele alcançar o caixão, e ele morre nos braços de seus amigos, feliz por ver que o ferimento causado pela Hóstia desapareceu da testa de Mina.

Graças a uma nota de Jonathan Harker, sete anos depois, descobrimos que todos estão agora casados e felizes e os Harkers têm um filho, que nasceu em um dos aniversários de morte de Quincey Morris (e de Drácula), embora não fique claro em qual. E no final, para que fique bem claro quem é a estrela do livro, Van Helsing diz que, quando Quincey Harker tiver idade o bastante, os documentos da caça a Drácula serão a prova de que a mãe dele é uma pessoa fantástica. Não o pai dele, não os amigos dos pais dele, mas a mãe, única e exclusivamente. Entendem por que amo (figurativamente) esse homem? <3

Esse final meio que acaba com qualquer piadinha a respeito de Quincey Harker ser filho de Drácula. Ele nasceu pelo menos um ano depois da morte do Conde, e uma gravidez só dura nove meses. Mas eu chuto que ele nasceu uns dois ou três anos depois (Mina e Jonathan eram bons de tabelinha, ao que parece – e não, não creio que eles praticassem abstinência, não com a forma como Jonathan beija e abraça Mina cada vez que ela salva o dia...), porque, sete anos depois da morte de Drácula, Van Helsing está “balançando o menino nas pernas para distraí-lo”. Sei lá, acho que uma criança de seis/sete anos já está grandinha para isso, mas posso estar calculando mal.

Mais alguém teve aquela sensação de que Hollywood está perdendo um grande filme por insistir em focar só no Conde? Sei lá, eu gosto de vampiros, e chego a torcer para eles acabarem com aquelas mobílias disfarçadas de personagem que costumam ser os humanos de filmes de vampiros, mas Drácula não é uma história assim. Os humanos do livro são vivos e mais interessantes que o Conde. Ele é só um vilão vitoriano com presas, enquanto, alinhado contra ele, estão pelo menos dois personagens bem bacanas (Mina e o Professor), mas eu gosto bastante de Jonathan e Seward também. Holmwood e Morris são meio que figurantes, quase, mas nada contra. E nas adaptações de Hollywood, perdemos tuuuuudo isso.

E por hoje é só, pessoal. Espero que, agora, vocês saibam de que estão falando, quando dizem que “Stoker isso”, “Stoker aquilo”, “o Drácula de Stoker aquele outro”.

Abraços!


OBS: Tensão homoerótica entre Van Helsing e Seward? Mas hein? Olha, nada contra shippings homossexuais, mas eu colocaria mais fichas em Morris/Holmwood ou Morris/Seward. Heh. O fato do Professor sempre contar seus segredos para John tem mais a ver com o fato de que o Dr. Seward é o Watson e dedicado aprendiz de Van Helsing, e é seu amigo há anos. Por mais que passe a gostar deles, o nosso holandês favorito só conhece os outros homens da trama há duas ou três semanas.


OBS 2: Mina e Jonathan são tão perfeitamente complementares (ele é o herói de ação, ela o cérebro e o coração da dupla) que é difícil pensar no casal se divorciando. Jonathan chega a decidir que, se Mina tiver de existir como vampira, ele não vai matá-la, mas vai ficar com ela e permitir que ela o transforme, para que não sofra sozinha sua maldição. Levando em conta o quão ruim é ser vampiro nesse livro, isso fala bastante sobre o quanto eles se amam... E sobre o quanto ele não tem qualquer repugnância em relação a ela.

2 comentários:

  1. Adriana, otimo post.

    Sua resenha do livro é excelente, ainda mais pela analise do contexto e pelo destaque de tudo oq foi mudado nas adaptações.

    Nunca gostei de transformarem Dracula num pobre apaixonado amaldiçoado. Isso fica bem em outros personagens mas não no Conde.

    Sem contar que foi um resgaste da real importancia da Mina Harker e de suas qualidades.

    Como fã do livro achei seu texto irretocavel.

    Parabens.

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  2. Adorei o post Strix - tá, uma leitura um tanto quanto atrasada de minha parte.

    Da primeira vez que eu li Drácula, li, acho, meio que contaminada pelo que diziam sobre ser um livro machista e tals, mas da segunda vez, eu percebi que o que havia entre o Jonathan e a Mina era muito diferente do que pintavam por aí. Assim como você, eu adoro vampiros, mas o Drácula do Stocker não tem nada de sedutor/apaixonado.

    Aliás, da segunda vez que eu li em diante, me apaixonei pelo Jonathan, exatamente por essa parte que você citou, dele dizendo que ficaria com ela acontecendo o que acontecesse.

    Mais uma vez, parabéns pelo texto ^^

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