Você
já deve ter ouvido o nome dela ao menos uma vez na vida. Ela é a Rainha
do Crime, uma das autoras mais vendidas de todos os tempos, atrás
apenas de Shakespeare, e sua peça A Ratoeira detém no Guiness Book o recorde de peça a mais tempo em cartaz: são 58 anos ininterruptos de apresentação.
Esse
ano, Agatha Christie faria 120 anos. Em comemoração, gostaria de trazer
à baila um lado dela que costuma ser desconhecido ou ignorado da Dama,
mas que sempre esteve lá: Agatha Christie, escritora de fantasia.
Agatha
Mary Clarissa Miller nasceu em 1890, em Torquay, na Inglaterra. O país
estava em plena era vitoriana, e isso se refletiu em sua formação. Ela
morava em uma antiga mansão inglesa com seus pais, uma irmã e um irmão.
Desde criança, era muito imaginativa. Brincava de faz-de-conta e
aprendeu a ler sozinha, aos cinco anos. Suas leituras preferidas quando
criança eram as histórias do Antigo Testamento e livros vitorianos com
histórias de mortes trágicas. Mais tarde, Agatha se deliciaria com as
histórias de sua irmã mais velha e com livros infantis de contos de
fadas.
Tia
Agatha (tenho o hábito de chamá-la assim, carinhosamente) continuou
crescendo uma criança tímida, e lia muito. Aos “dezessete ou dezoito
anos”, conforme narra sua autobiografia, escrevia poemas, alguns
retratando os personagens da commedia dell’arte, e chegou a ganhar alguns prêmios de uma revista com eles.
Aproximadamente
por esse período, enquanto convalescia de uma gripe, Agatha Christie
estava entediada e recebeu de sua mãe a sugestão de escrever histórias.
Ela produziu vários contos e mandou para muitas revistas, sendo recusada
em todas elas. Enquanto isso, resolveu escrever um romance, que sua mãe
enviou a Eden Phillpotts, na época, um escritor famoso e amigo da
família. Phillpotts fez uma crítica branda, mas firme, dando conselhos
de leituras e procedimentos que melhorariam a escrita da moça. Ele
também enviou o romance dela e seu editor, mais para que ela tivesse a
experiência de se ver frente a frente com ele que por alguma esperança
de publicação.
Depois
dessa nova recusa, Agatha Christie voltou-se algum tempo para suas
ambições musicais, enquanto continuava lendo histórias paranormais e
escrevendo contos por passatempo. Mais tarde, ela sentiria vontade de
escrever um romance policial e a insistência de sua irmã de que aquilo
era difícil demais para ela plantaria a semente da escritora que tia
Agatha viria a ser, mais tarde.
Por que estou dizendo tudo isso?
As
biografias de Agatha Christie geralmente começam a falar de sua
carreira literária a partir da escrita de seu primeiro romance policial,
O Segredo de Styles. Pouco é dito ou sugerido dessa sua
fase juvenil de escritora por diversão e não me lembro de ter lido em
lugar nenhum que, nessa fase, a Dama do Crime escrevia fantasia.
Muitos
dos contos que ela escreveu nessa época foram reescritos e publicados
nos anos 20 e 30, por revistas e em uma coletânea de contos. Nas
próximas páginas, iremos fazer uma viagem pelo fantástico na obra de
Agatha Christie. Tanto o fantástico que permeia sua obra policial quanto
o fantástico dessa primeira fase de sua carreira. Os fãs mais antigos
da Dama irão reencontrar velhos amigos – como reencontrei ao escrever
esse artigo – e talvez os novos descubram um encanto que não julgavam
existir nos livros dela.
Agatha Christie e o Espiritismo
Antes
de mais nada, não estou falando disso para fazer propaganda de
doutrinas, ou algo do gênero, mas porque o contato de tia Agatha com
espiritismo (ou, mais exatamente, espiritualismo inglês, que é diferente
do Espiritismo, de base francesa) influenciou a fantasia em suas
histórias, e um número respeitável de seus romances e contos possuem
sessões espíritas. Às vezes, fica provado que elas foram forjadas por
alguém, às vezes não.
É
bom deixar uma coisa clara: Agatha Christie era cristã anglicana e se
sentia bastante confortável em sua religião. Em sua autobiografia, ela
conta que teve um romance com um rapaz que se interessava por
espiritismo (com letra minúscula, isso é, por fenômenos espíritas) e que
lhe passou muitas leituras teosóficas que a entediavam.
A
experiência com esse rapaz deixaria uma marca na obra dela. Quando se
analisa os livros de tia Agatha, torna-se claro que ela lidava com
vários personagens recorrentes, que apenas mudavam de nome e aparência,
mas mantinham a personalidade. O velho militar irascível e falador, o
rapaz charmoso sem o menor pingo de caráter, a velha senhora fofoqueira,
mas que tinha uma acurada visão de mundo, além de vários outros. Um
desses personagens é a médium exoticamente vestida, de comportamento
extravagante, que, no fundo, é uma charlatã buscando enriquecimento à
custa dos crédulos ou uma tola que engana a si mesma. Essa personagem,
ao que tudo indica, é derivada de duas irmãs que o tal rapaz lhe
apresentara.
É
digno de nota que, sempre que essa médium exótica aparece no romance,
alguém respeitável (o detetive da história, ou algum estudioso qualquer)
em algum ponto explica que não se deve julgar o espiritismo por essas
pessoas, e que há gente séria investigando a verdade por trás dos
fenômenos. Após essa explicação, pode ou não haver o relato de um caso
de revelação mediúnica que não poderia ser obtida por charlatanismo.
Dois livros em que sessões espíritas desempenham papeis muito importantes são O Mistério de Sittaford, onde um homem vivo se manifesta na mesa e logo se descobre que ele foi assassinado, e Poirot Perde uma Cliente,
que conta com duas irmãs vegetarianas, teosofistas, ocultistas,
espíritas e incuravelmente tolas. Dizer por que a sessão espírita é
importante é spoiler, mas ela é. Esse é um livro pouco famoso da Dama, mas muito bom, e com uma virada de acontecimentos realmente genial.
Os
temas de comunicação com os espíritos, reencarnação e possessão
surgiriam mais tarde em seus contos fantásticos, como será visto mais
adiante.
O Fantástico e o Policial
Antes
de mergulharmos na obra fantástica propriamente dita da tia Agatha, é
importante notar que o sobrenatural esteve fortemente presente em várias
de suas obras. Em seus livros policiais, a abordagem é geralmente,
fantástica – no sentido todoroviano do termo. Isso quer dizer que, no
geral, o leitor fica livre para decidir se o que foi narrado é
sobrenatural ou não. Em muitos casos, fica provado que o sobrenatural
era um embuste ou um mal-entendido, mas não vou entregar o ouro e
separar as duas situações. Quem estiver lendo que se divirta tentando
descobrir.
Eu
poderia citar vários livros que contém elementos fantásticos, mas
escolhi aqueles em que eles são especialmente importantes para a trama.
Outro critério foi que os livros em questão tenham particularidades
interessantes, como é o caso de E no Final a Morte.
O mais fantástico de todos os livros policiais da Dama, sem dúvida, é O Misterioso Sr. Quin.
Essa é uma coletânea de contos estrelando o Sr. Satterthwaite, um
homenzinho solteirão com rosto de gnomo, e o Sr. Harley Quin, que surge e
desaparece quase que literalmente do nada e “catalisa” as deduções do
Sr. Satterthwaite a respeito dos mistérios. Os contos têm em comum
amantes que estão separados por culpa de um crime ou de um mistério
não-resolvido, e é sugerido o tempo todo que o Sr. Quin é mais que um
tranqüilo cavalheiro moreno (se você ainda não percebeu o trocadilho no
nome do homem, merece um pedala-robinho bem dado). O fantástico permeia
todos os contos e o último não tem nada de policial. É um conto
fantástico e apenas isso. Já falei que Agatha Christie escreveu poesias
de
arlequim e colombina quando jovem. Nessas poesias, ambos eram presenças
fantásticas, mais que os personagens cômicos da commedia dell’arte. O último conto de O Misterioso Sr. Quin
é uma homenagem a essas poesias, onde os fatos da vida real e de uma
história de arlequim e colombina se entrelaçam de um jeito muito bonito.
O sobrenatural volta à baila em O Cavalo Amarelo,
um dos livros policiais da Agatha Christie que estão em minha seleta
lista de livros dela obrigatórios a qualquer escritor que queira se
aventurar pelo romance policial de mistério.
Dessa vez, não há o lirismo, o romance e o clima fantástico do livro do Sr. Quin. O Cavalo Amarelo
é um livro aventuresco, onde um tranqüilo historiador tropeça sem
querer na pista de uma organização que diz ser capaz de matar por
telepatia, através de três solteironas que são bruxas, cada uma à sua
maneira. Bella é a típica bruxa de interior, que sacrifica galos brancos
e emite gemidos bestiais. Sybil é uma médium com todas as
características da recorrente médium charlatã já discutida
anteriormente. Thyrza Grey é uma estudiosa do oculto, racional e usuária
de aparelhos emissores de ondas eletromagnéticas.
As
reviravoltas do livro são muito boas. Só tomem cuidado ao pesquisar
sobre ele no Google: são abundantes as notícias a respeito dele ter
salvado a vida de pessoas, mas essas notícias invariavelmente soltam um spoiler que acaba com metade da graça da narrativa.
Interessante também é o romance E no Final a Morte.
Ele foi proposto à Agatha Christie por um amigo arqueólogo, que sugeriu
que ela escrevesse uma história policial passada no Egito Antigo. Ao
longo do livro, uma pessoa é assassinada e visões de seu fantasma
começam a preceder a morte de vários membros da família da protagonista.
Embora
a trama policial desse romance seja relativamente fraca, em comparação a
outros títulos da autora, ele ainda assim é uma excelente história. É
particularmente notável como tia Agatha criou um ambiente egípcio com
base nos dados fornecidos por seu amigo sem tornar a leitura pedante ou
chata. Não fica a sensação de “aula de história” ou de “personagens
explicando o mundo”, e muitos escritores têm a aprender com ela nesse
quesito. A forma como as mulheres são as personagens mais fortes e bem
desenvolvidas, mesmo estando clara a base machista da sociedade
mostrada, merece um estudo à parte.
Outro livro onde o fantástico mostra as caras mais de uma vez é a coletânea de contos Os Treze Problemas.
Nesse livro, o escritor Raymond West, hospedado na casa de sua tia
velhinha Jane Marple, propõe que cada um dos convidados do jantar conte
uma história misteriosa que tenha presenciado para testar os dotes
detetivísticos das pessoas. Mais de uma história toca em pontos
sobrenaturais, particularmente o conto sobre o Ídolo de Astarteia.
Diferentemente dos outros, Os Trabalhos de Hércules
não é, em absoluto, um livro fantástico. Incluo aqui por ele ser
atraente para a maioria dos fãs de Fantasia. Como o maior detetive da
Dama, Hercule Poirot, é homônimo do herói da Antiguidade, ele decide
aceitar apenas 12 casos antes de se aposentar. Esses casos precisariam,
necessariamente, guardar alguma semelhança com os trabalhos de Hércules
originais. É um dos melhores livros de contos de Agatha Christie e fica
aqui como dica de leitura.
A obra de Fantasia de Agatha Christie
Depois
desse passeio pelas influências de Agatha Christie e pelo fantástico em
sua obra policial, finalmente é hora de dissecarmos a obra fantástica
da Dama do Crime. Sim, ela existe.
Como
já foi dito antes, o fantástico puro na obra de Agatha Christie
aparece, geralmente, em contos escritos em sua juventude, antes de se
tornar uma autora policial. Duas coletâneas reúnem praticamente tudo o
que foi produzido por ela nesse quesito: A Mina de Ouro, Três Ratos Cegos e Outras Histórias e Enquanto Houver Luz.
Ocasionalmente, algum outro conto pode ser encontrado, solto em
coletâneas diversas. Vou falar desses três livros detalhadamente, agora.
Começarei pelo segundo deles. Embora tenha sido lançado no Brasil muitos anos depois, Enquanto Houver Luz
é uma coletânea de contos da Agatha Christie que foram publicados fora
de livros, geralmente em revistas. A coletânea contém contos publicados
nos anos de 20 e 30, juntamente com a história dos mesmos e algumas
curiosidades. Esse livro contém a versão revisada do primeiro conto que
tia Agatha escreveu e considerou “promissor”, e era um conto fantástico.
Esse primeiro conto abre a coletânea e chama-se A Casa dos Sonhos.
Conta a história de um homem “parecido com um fauno”, que sonha com
aventuras e outras terras, mas se vê preso em uma vida burocrática e
mais lucrativa. Ele tem sonhos recorrentes com uma bela casa, que parece
conter tudo o que há de belo e de bom, mas onde ele não pode entrar. A
história conta sobre como ele se apaixona pela etérea Allegra, e como
sua vida muda radicalmente desde então. Esse conto é a segunda versão de
A Casa da Beleza, descrito pela própria Dama como muito
mais sombrio e confuso. De fato, a maior parte dos contos fantásticos
de Agatha Christie parecem ser sombrios e tensos psicologicamente.
Na linha do fantástico, embora o foco seja o romance, está O Deus Solitário.
É uma história muito simpática e muito sentimental, como a própria
Agatha descreve, sobre um pequeno ídolo de pedra, perdido no Museu
Britânico, e seus dois únicos seguidores.
Ligeiramente fantástico e altamente simbólico é Paredes que Atormentam,
um conto sobre um triângulo amoroso bem construído e instigante. O
elemento fantástico está contido em um quadro que, embora não tenha as
características vampíricas do retrato oval de Poe, parece ter algo mais
que as obras de arte, no geral.
Fechando a coletânea, há o conto que dá título a ela, Enquanto Houver Luz.
O fantástico está em uma premonição que a protagonista tem, e mais uma
vez somos apresentados a um triângulo amoroso. É um conto amargo e algo
irônico, com o clima pesado da maior parte dos contos fantásticos de
Agatha Christie.
A Mina de Ouro e Três Ratos Cegos e Outras Histórias são
coletâneas de contos da Dama, e duas faces de uma moeda. Nessas
coletâneas se encontram os contos de uma coletânea que só existe em
inglês: The Hound oh Death and Other Stories. Metade se encontra em um livro, e metade em outro. Com a exceção de A testemunha da acusação
(que mais tarde, daria origem a uma peça de teatro e a um romance com
esse nome), os contos dessa coletânea são todos fantásticos, ora
pendendo à fantasia, ora recebendo explicações naturais e afastando o
sobrenatural (quase) todo. Nunca dá para saber, logo de cara, que
caminho a Dama vai tomar – e só os incautos confiam cegamente
nela, que sabia usar clichês a seu favor como poucos.
Esse
livro foi publicado em 1933. Como dito antes, é nas décadas de 1920 e
1930 que se concentram a maior parte das histórias fantásticas da Dama.
Alguns contos desse livro são mencionados, na Autobiografia, como tendo
estado entre os primeiros escritos por ela.
Em A Mina de Ouro, estão alguns contos selecionados da coletânea The Listerdale Mystery, de contos românticos de mistério e, mais para a metade, alguns dos melhores contos de The Hound of Death.
O primeiro deles, O Cão da Morte,
é uma história sobre uma enfermeira, que sonha com os Signos e a Cidade
dos Círculos (qualquer coincidência com Atlântida é mera coincidência.
Ou não.), e é estudada por um médico com um interesse um tanto quanto
exageradamente fervoroso. Foi um dos contos da tia Agatha que mais mexeu
com minha imaginação: fiquei meses brincando com a idéia dos signos na
minha cabeça.
A Cigana recria uma velha lenda da charneca nos tempos modernos, contando um caso de premonição e sugere um caso de reencarnação.
O Lampião
é uma história que me dava um misto de arrepio e comoção quando eu era
menor. É uma história de fantasmas, triste, clichê, mas que sempre me
toca.
Temos O Estranho Caso de Sir Andrew Carmichael,
em que um ilustre psicólogo vai tentar descobrir qual doença mental
aflige o jovem nobre. É uma história de fantasmas com uma atmosfera
sinistra bem construída. Bom, pelo menos, achei bem sinistra quando li
pela primeira vez, e ela ainda me faz olhar por cima do ombro quando
leio.
Mais um dos primeiros contos de tia Agatha surge nesse livro: O Chamado das Asas
é a história de um milionário materialista e feliz, mas que tem sua
felicidade abalada pela música tocada pela flauta de um mendigo sem
pernas.
Os outros oito contos de The Hound of Death (sim, são treze, tia Agatha gostava desse número) estão em Os Três Ratos Cegos e outras histórias (aliás, o conto Os Três Ratos Cegos é baseado na trama de A Ratoeira).
O Sinal Vermelho
é um conto sobre um jovem que tem a premonição do perigo, e de como
isso o salvou várias vezes. Como sempre, temos uma sessão espírita, e a
médium exótica com um toque tolo/charlatão surge de novo. Mas ela é
ligeiramente diferente das outras, um tanto mais autêntica e menos
antipática que o de costume.
Em O Quarto Homem,
três intelectuais discutem, em um trem, o estranho caso de múltiplas
personalidades da jovem camponesa francesa Felicie. Um quarto homem,
desconhecido para os três, intervém e conta a história de Annette Ravel,
e de como essa história explica e complementa a de Felicie.
A trama de O Rádio
mostra uma velhota solteirona que começa a ouvir a voz de seu falecido
marido no meio de seus programas de rádio preferidos, dizendo que logo
irá buscá-la. O fim desse conto é um dos mais deliciosamente cruéis que
Agatha Christie pôde imaginar.
Como já foi dito, o conto A Testemunha da Acusação
não tem nada de fantástico. Recomendo fortemente que a pessoa leia
primeiro o romance (adaptado da peça de teatro, que foi adaptada do
conto), para não estragar o prazer da leitura: ele tem realmente uma
reviravolta de mestre.
O Mistério do Vaso Azul
é sobre um prosaico homem que começa a ouvir um grito de “socorro –
assassinato – socorro” todos os dias, à mesma hora, em seu campo de
golfe. O curioso é que ninguém mais ouve o grito. Ele se alia a um
“médico da alma” para tentar descobrir a verdade por trás disso.
O tema espiritismo está de volta (de novo) em A Última Sessão.
Dessa vez, não há médiuns exóticas e extravagantes. A médium em questão
é uma moça bondosa e honesta, que se debilita a cada sessão e deseja
ardentemente parar com elas. Seu noivo organiza aquela que será sua
última sessão, uma materialização da filhinha desencarnada de Madame
Exe, mas há uma atmosfera de perigo envolvendo a todos.
Em S.O.S.,
temos Mortimer Cleveland, um estudioso da mente e do oculto que atola o
carro em uma noite chuvosa e termina em um chalé isolado, ocupado por
uma família. A tensão do ambiente é percebida pelo seu sexto sentido
aguçado e, mais tarde, ele percebe um S.O.S. escrito na poeira do
batente de seu quarto.
De maneira geral, The Hound of Death and Other Stories
possui momentos brilhantes e momentos apagados, contos bons e contos
medianos. A coletânea foi recebida com torcer de narizes pela crítica,
por serem “histórias de fantasmas, com pouco ou nada de policial”. Esse
pode ter sido o motivo que levou as editoras americanas a dividirem a
coletânea, buscando “diluir” os contos de fantasmas em contos policiais
mais tradicionais (A Mina de Ouro e Três Ratos Cegos e Outras Histórias são traduções das coletâneas americanas correspondentes).
Se,
por um lado, é fato que alguns dos contos são de uma Agatha Christie
ainda não totalmente amadurecida como escritora, por outro, a qualidade
deles não fica abaixo de outros contos policiais do mesmo período. E
compreensível que alguns deles (particularmente os que têm uma solução
inegavelmente sobrenatural) decepcionem aqueles que procuram crimes e
detetives, mas são contos bons de mistério/terror/sobrenatural. Como já
comentei, a habilidade de Agatha Christie em brincar com clichês para
surpreender seu leitor já está presente mesmo em seus contos mais
antigos.
Terminado esse pequeno tour pela obra fantástica da Dama, seja em suas breves aparições nos livros policiais, seja em carreira solo, o que fica para nós?
Como
comentei no início, minha intenção era ser apenas uma guia turística,
mostrando uma parte menos conhecida, mas não menos interessante, de uma
bela cidade. Espero que, depois disso, cada um possa fazer seu próprio
“roteiro de viagem” pela obra de Agatha Christie e, quem sabe, se
divirta contando o número de aparições de personagens recorrentes e de
sessões espíritas na obra não-fantástica dela.
A
grande questão que pode surgir é: com uma pequena mudança de
circunstâncias, tia Agatha teria seguido com suas histórias de fantasia
e, talvez, feito romances com elas? Se ela tivesse feito isso, teria se
tornado tão famosa como se tornou no gênero policial?
São
questões de difícil resposta. A obra policial de Agatha Christie tem um
selo próprio e inconfundível de estilo. Já sua obra fantástica,
conforme ela confessa em sua autobiografia, frequentemente emulava o
autor que ela estava lendo no momento da escrita. Mas é preciso levar em
conta que ela era uma escritora muito imaginativa e gostava de
experimentar coisas novas e mudar de ares. Talvez – e isso é apenas uma
especulação ociosa de fã – sua obra fantástica tivesse amadurecido, se
não fosse ofuscada pela obra policial (o gênero policial dava muito mais
retorno no começo do século XX). Aliás, é bom notar que mesmos os
contos policiais do início da carreira da Dama estão aquém do que
estariam alguns anos mais tarde.
Especulações,
especulações... O fato concreto que temos é que Agatha Christie se
achou no gênero policial. Desde a publicação de O Misterioso Caso de
Styles, em 1920, ela influencia leitores e mais leitores, em várias
línguas. Foram 4 bilhões de livros vendidos, o que é quase um planeta
inteiro de pessoas que leram Agatha Christie, quer tenham gostado, quer
não.
Nada
mal para uma jovem tímida que escrevia contos paranormais por
distração, e foi recusada ao longo de anos por revistas literárias.
Bem legal seu texto. Não conhecia essa faceta da autora.
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