quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Agatha Christie, escritora de fantasia

(O texto original é de 11/03/2011, postei na mailing list da ACBR (Agatha Christie Brasil). Estou postando aqui no blog pra resgatar meus textos antigos sobre a AC. Bom proveito!)


Você já deve ter ouvido o nome dela ao menos uma vez na vida. Ela é a Rainha do Crime, uma das autoras mais vendidas de todos os tempos, atrás apenas de Shakespeare, e sua peça A Ratoeira detém no Guiness Book o recorde de peça a mais tempo em cartaz: são 58 anos ininterruptos de apresentação.
Esse ano, Agatha Christie faria 120 anos. Em comemoração, gostaria de trazer à baila um lado dela que costuma ser desconhecido ou ignorado da Dama, mas que sempre esteve lá: Agatha Christie, escritora de fantasia.
Agatha Mary Clarissa Miller nasceu em 1890, em Torquay, na Inglaterra. O país estava em plena era vitoriana, e isso se refletiu em sua formação. Ela morava em uma antiga mansão inglesa com seus pais, uma irmã e um irmão. Desde criança, era muito imaginativa. Brincava de faz-de-conta e aprendeu a ler sozinha, aos cinco anos. Suas leituras preferidas quando criança eram as histórias do Antigo Testamento e livros vitorianos com histórias de mortes trágicas. Mais tarde, Agatha se deliciaria com as histórias de sua irmã mais velha e com livros infantis de contos de fadas.
Tia Agatha (tenho o hábito de chamá-la assim, carinhosamente) continuou crescendo uma criança tímida, e lia muito. Aos “dezessete ou dezoito anos”, conforme narra sua autobiografia, escrevia poemas, alguns retratando os personagens da commedia dell’arte, e chegou a ganhar alguns prêmios de uma revista com eles.
Aproximadamente por esse período, enquanto convalescia de uma gripe, Agatha Christie estava entediada e recebeu de sua mãe a sugestão de escrever histórias. Ela produziu vários contos e mandou para muitas revistas, sendo recusada em todas elas. Enquanto isso, resolveu escrever um romance, que sua mãe enviou a Eden Phillpotts, na época, um escritor famoso e amigo da família. Phillpotts fez uma crítica branda, mas firme, dando conselhos de leituras e procedimentos que melhorariam a escrita da moça. Ele também enviou o romance dela e seu editor, mais para que ela tivesse a experiência de se ver frente a frente com ele que por alguma esperança de publicação.
Depois dessa nova recusa, Agatha Christie voltou-se algum tempo para suas ambições musicais, enquanto continuava lendo histórias paranormais e escrevendo contos por passatempo. Mais tarde, ela sentiria vontade de escrever um romance policial e a insistência de sua irmã de que aquilo era difícil demais para ela plantaria a semente da escritora que tia Agatha viria a ser, mais tarde.
Por que estou dizendo tudo isso?
As biografias de Agatha Christie geralmente começam a falar de sua carreira literária a partir da escrita de seu primeiro romance policial, O Segredo de Styles. Pouco é dito ou sugerido dessa sua fase juvenil de escritora por diversão e não me lembro de ter lido em lugar nenhum que, nessa fase, a Dama do Crime escrevia fantasia.
Muitos dos contos que ela escreveu nessa época foram reescritos e publicados nos anos 20 e 30, por revistas e em uma coletânea de contos. Nas próximas páginas, iremos fazer uma viagem pelo fantástico na obra de Agatha Christie. Tanto o fantástico que permeia sua obra policial quanto o fantástico dessa primeira fase de sua carreira. Os fãs mais antigos da Dama irão reencontrar velhos amigos – como reencontrei ao escrever esse artigo – e talvez os novos descubram um encanto que não julgavam existir nos livros dela.



Agatha Christie e o Espiritismo

Antes de mais nada, não estou falando disso para fazer propaganda de doutrinas, ou algo do gênero, mas porque o contato de tia Agatha com espiritismo (ou, mais exatamente, espiritualismo inglês, que é diferente do Espiritismo, de base francesa) influenciou a fantasia em suas histórias, e um número respeitável de seus romances e contos possuem sessões espíritas. Às vezes, fica provado que elas foram forjadas por alguém, às vezes não.
É bom deixar uma coisa clara: Agatha Christie era cristã anglicana e se sentia bastante confortável em sua religião. Em sua autobiografia, ela conta que teve um romance com um rapaz que se interessava por espiritismo (com letra minúscula, isso é, por fenômenos espíritas) e que lhe passou muitas leituras teosóficas que a entediavam.
A experiência com esse rapaz deixaria uma marca na obra dela. Quando se analisa os livros de tia Agatha, torna-se claro que ela lidava com vários personagens recorrentes, que apenas mudavam de nome e aparência, mas mantinham a personalidade. O velho militar irascível e falador, o rapaz charmoso sem o menor pingo de caráter, a velha senhora fofoqueira, mas que tinha uma acurada visão de mundo, além de vários outros. Um desses personagens é a médium exoticamente vestida, de comportamento extravagante, que, no fundo, é uma charlatã buscando enriquecimento à custa dos crédulos ou uma tola que engana a si mesma. Essa personagem, ao que tudo indica, é derivada de duas irmãs que o tal rapaz lhe apresentara.
É digno de nota que, sempre que essa médium exótica aparece no romance, alguém respeitável (o detetive da história, ou algum estudioso qualquer) em algum ponto explica que não se deve julgar o espiritismo por essas pessoas, e que há gente séria investigando a verdade por trás dos fenômenos. Após essa explicação, pode ou não haver o relato de um caso de revelação mediúnica que não poderia ser obtida por charlatanismo.
Dois livros em que sessões espíritas desempenham papeis muito importantes são O Mistério de Sittaford, onde um homem vivo se manifesta na mesa e logo se descobre que ele foi assassinado, e Poirot Perde uma Cliente, que conta com duas irmãs vegetarianas, teosofistas, ocultistas, espíritas e incuravelmente tolas. Dizer por que a sessão espírita é importante é spoiler, mas ela é. Esse é um livro pouco famoso da Dama, mas muito bom, e com uma virada de acontecimentos realmente genial.
Os temas de comunicação com os espíritos, reencarnação e possessão surgiriam mais tarde em seus contos fantásticos, como será visto mais adiante.

O Fantástico e o Policial

Antes de mergulharmos na obra fantástica propriamente dita da tia Agatha, é importante notar que o sobrenatural esteve fortemente presente em várias de suas obras. Em seus livros policiais, a abordagem é geralmente, fantástica – no sentido todoroviano do termo. Isso quer dizer que, no geral, o leitor fica livre para decidir se o que foi narrado é sobrenatural ou não. Em muitos casos, fica provado que o sobrenatural era um embuste ou um mal-entendido, mas não vou entregar o ouro e separar as duas situações. Quem estiver lendo que se divirta tentando descobrir.
Eu poderia citar vários livros que contém elementos fantásticos, mas escolhi aqueles em que eles são especialmente importantes para a trama. Outro critério foi que os livros em questão tenham particularidades interessantes, como é o caso de E no Final a Morte.
O mais fantástico de todos os livros policiais da Dama, sem dúvida, é O Misterioso Sr. Quin. Essa é uma coletânea de contos estrelando o Sr. Satterthwaite, um homenzinho solteirão com rosto de gnomo, e o Sr. Harley Quin, que surge e desaparece quase que literalmente do nada e “catalisa” as deduções do Sr. Satterthwaite a respeito dos mistérios. Os contos têm em comum amantes que estão separados por culpa de um crime ou de um mistério não-resolvido, e é sugerido o tempo todo que o Sr. Quin é mais que um tranqüilo cavalheiro moreno (se você ainda não percebeu o trocadilho no nome do homem, merece um pedala-robinho bem dado). O fantástico permeia todos os contos e o último não tem nada de policial. É um conto fantástico e apenas isso. Já falei que Agatha Christie escreveu poesias de arlequim e colombina quando jovem. Nessas poesias, ambos eram presenças fantásticas, mais que os personagens cômicos da commedia dell’arte. O último conto de O Misterioso Sr. Quin é uma homenagem a essas poesias, onde os fatos da vida real e de uma história de arlequim e colombina se entrelaçam de um jeito muito bonito.
O sobrenatural volta à baila em O Cavalo Amarelo, um dos livros policiais da Agatha Christie que estão em minha seleta lista de livros dela obrigatórios a qualquer escritor que queira se aventurar pelo romance policial de mistério.
Dessa vez, não há o lirismo, o romance e o clima fantástico do livro do Sr. Quin. O Cavalo Amarelo é um livro aventuresco, onde um tranqüilo historiador tropeça sem querer na pista de uma organização que diz ser capaz de matar por telepatia, através de três solteironas que são bruxas, cada uma à sua maneira. Bella é a típica bruxa de interior, que sacrifica galos brancos e emite gemidos bestiais. Sybil é uma médium com todas as características da recorrente médium charlatã já discutida anteriormente. Thyrza Grey é uma estudiosa do oculto, racional e usuária de aparelhos emissores de ondas eletromagnéticas.
As reviravoltas do livro são muito boas. Só tomem cuidado ao pesquisar sobre ele no Google: são abundantes as notícias a respeito dele ter salvado a vida de pessoas, mas essas notícias invariavelmente soltam um spoiler que acaba com metade da graça da narrativa.
Interessante também é o romance E no Final a Morte. Ele foi proposto à Agatha Christie por um amigo arqueólogo, que sugeriu que ela escrevesse uma história policial passada no Egito Antigo. Ao longo do livro, uma pessoa é assassinada e visões de seu fantasma começam a preceder a morte de vários membros da família da protagonista.
Embora a trama policial desse romance seja relativamente fraca, em comparação a outros títulos da autora, ele ainda assim é uma excelente história. É particularmente notável como tia Agatha criou um ambiente egípcio com base nos dados fornecidos por seu amigo sem tornar a leitura pedante ou chata. Não fica a sensação de “aula de história” ou de “personagens explicando o mundo”, e muitos escritores têm a aprender com ela nesse quesito. A forma como as mulheres são as personagens mais fortes e bem desenvolvidas, mesmo estando clara a base machista da sociedade mostrada, merece um estudo à parte.
Outro livro onde o fantástico mostra as caras mais de uma vez é a coletânea de contos Os Treze Problemas. Nesse livro, o escritor Raymond West, hospedado na casa de sua tia velhinha Jane Marple, propõe que cada um dos convidados do jantar conte uma história misteriosa que tenha presenciado para testar os dotes detetivísticos das pessoas. Mais de uma história toca em pontos sobrenaturais, particularmente o conto sobre o Ídolo de Astarteia.
Diferentemente dos outros, Os Trabalhos de Hércules não é, em absoluto, um livro fantástico. Incluo aqui por ele ser atraente para a maioria dos fãs de Fantasia. Como o maior detetive da Dama, Hercule Poirot, é homônimo do herói da Antiguidade, ele decide aceitar apenas 12 casos antes de se aposentar. Esses casos precisariam, necessariamente, guardar alguma semelhança com os trabalhos de Hércules originais. É um dos melhores livros de contos de Agatha Christie e fica aqui como dica de leitura.

A obra de Fantasia de Agatha Christie

Depois desse passeio pelas influências de Agatha Christie e pelo fantástico em sua obra policial, finalmente é hora de dissecarmos a obra fantástica da Dama do Crime. Sim, ela existe.
Como já foi dito antes, o fantástico puro na obra de Agatha Christie aparece, geralmente, em contos escritos em sua juventude, antes de se tornar uma autora policial. Duas coletâneas reúnem praticamente tudo o que foi produzido por ela nesse quesito: A Mina de Ouro, Três Ratos Cegos e Outras Histórias e Enquanto Houver Luz. Ocasionalmente, algum outro conto pode ser encontrado, solto em coletâneas diversas. Vou falar desses três livros detalhadamente, agora.
Começarei pelo segundo deles. Embora tenha sido lançado no Brasil muitos anos depois, Enquanto Houver Luz é uma coletânea de contos da Agatha Christie que foram publicados fora de livros, geralmente em revistas. A coletânea contém contos publicados nos anos de 20 e 30, juntamente com a história dos mesmos e algumas curiosidades. Esse livro contém a versão revisada do primeiro conto que tia Agatha escreveu e considerou “promissor”, e era um conto fantástico.
Esse primeiro conto abre a coletânea e chama-se A Casa dos Sonhos. Conta a história de um homem “parecido com um fauno”, que sonha com aventuras e outras terras, mas se vê preso em uma vida burocrática e mais lucrativa. Ele tem sonhos recorrentes com uma bela casa, que parece conter tudo o que há de belo e de bom, mas onde ele não pode entrar. A história conta sobre como ele se apaixona pela etérea Allegra, e como sua vida muda radicalmente desde então. Esse conto é a segunda versão de A Casa da Beleza, descrito pela própria Dama como muito mais sombrio e confuso. De fato, a maior parte dos contos fantásticos de Agatha Christie parecem ser sombrios e tensos psicologicamente.
Na linha do fantástico, embora o foco seja o romance, está O Deus Solitário. É uma história muito simpática e muito sentimental, como a própria Agatha descreve, sobre um pequeno ídolo de pedra, perdido no Museu Britânico, e seus dois únicos seguidores.
Ligeiramente fantástico e altamente simbólico é Paredes que Atormentam, um conto sobre um triângulo amoroso bem construído e instigante. O elemento fantástico está contido em um quadro que, embora não tenha as características vampíricas do retrato oval de Poe, parece ter algo mais que as obras de arte, no geral.
Fechando a coletânea, há o conto que dá título a ela, Enquanto Houver Luz. O fantástico está em uma premonição que a protagonista tem, e mais uma vez somos apresentados a um triângulo amoroso. É um conto amargo e algo irônico, com o clima pesado da maior parte dos contos fantásticos de Agatha Christie.
A Mina de Ouro e Três Ratos Cegos e Outras Histórias são coletâneas de contos da Dama, e duas faces de uma moeda. Nessas coletâneas se encontram os contos de uma coletânea que só existe em inglês: The Hound oh Death and Other Stories. Metade se encontra em um livro, e metade em outro. Com a exceção de A testemunha da acusação (que mais tarde, daria origem a uma peça de teatro e a um romance com esse nome), os contos dessa coletânea são todos fantásticos, ora pendendo à fantasia, ora recebendo explicações naturais e afastando o sobrenatural (quase) todo. Nunca dá para saber, logo de cara, que caminho a Dama vai tomar – e só os incautos confiam cegamente nela, que sabia usar clichês a seu favor como poucos.
Esse livro foi publicado em 1933. Como dito antes, é nas décadas de 1920 e 1930 que se concentram a maior parte das histórias fantásticas da Dama. Alguns contos desse livro são mencionados, na Autobiografia, como tendo estado entre os primeiros escritos por ela.
Em A Mina de Ouro, estão alguns contos selecionados da coletânea The Listerdale Mystery, de contos românticos de mistério e, mais para a metade, alguns dos melhores contos de The Hound of Death.
O primeiro deles, O Cão da Morte, é uma história sobre uma enfermeira, que sonha com os Signos e a Cidade dos Círculos (qualquer coincidência com Atlântida é mera coincidência. Ou não.), e é estudada por um médico com um interesse um tanto quanto exageradamente fervoroso. Foi um dos contos da tia Agatha que mais mexeu com minha imaginação: fiquei meses brincando com a idéia dos signos na minha cabeça.
A Cigana recria uma velha lenda da charneca nos tempos modernos, contando um caso de premonição e sugere um caso de reencarnação.
O Lampião é uma história que me dava um misto de arrepio e comoção quando eu era menor. É uma história de fantasmas, triste, clichê, mas que sempre me toca.
Temos O Estranho Caso de Sir Andrew Carmichael, em que um ilustre psicólogo vai tentar descobrir qual doença mental aflige o jovem nobre. É uma história de fantasmas com uma atmosfera sinistra bem construída. Bom, pelo menos, achei bem sinistra quando li pela primeira vez, e ela ainda me faz olhar por cima do ombro quando leio.
Mais um dos primeiros contos de tia Agatha surge nesse livro: O Chamado das Asas é a história de um milionário materialista e feliz, mas que tem sua felicidade abalada pela música tocada pela flauta de um mendigo sem pernas.
Os outros oito contos de The Hound of Death (sim, são treze, tia Agatha gostava desse número) estão em Os Três Ratos Cegos e outras histórias (aliás, o conto Os Três Ratos Cegos é baseado na trama de A Ratoeira).
O Sinal Vermelho é um conto sobre um jovem que tem a premonição do perigo, e de como isso o salvou várias vezes. Como sempre, temos uma sessão espírita, e a médium exótica com um toque tolo/charlatão surge de novo. Mas ela é ligeiramente diferente das outras, um tanto mais autêntica e menos antipática que o de costume.
Em O Quarto Homem, três intelectuais discutem, em um trem, o estranho caso de múltiplas personalidades da jovem camponesa francesa Felicie. Um quarto homem, desconhecido para os três, intervém e conta a história de Annette Ravel, e de como essa história explica e complementa a de Felicie.
A trama de O Rádio mostra uma velhota solteirona que começa a ouvir a voz de seu falecido marido no meio de seus programas de rádio preferidos, dizendo que logo irá buscá-la. O fim desse conto é um dos mais deliciosamente cruéis que Agatha Christie pôde imaginar.
Como já foi dito, o conto A Testemunha da Acusação não tem nada de fantástico. Recomendo fortemente que a pessoa leia primeiro o romance (adaptado da peça de teatro, que foi adaptada do conto), para não estragar o prazer da leitura: ele tem realmente uma reviravolta de mestre.
O Mistério do Vaso Azul é sobre um prosaico homem que começa a ouvir um grito de “socorro – assassinato – socorro” todos os dias, à mesma hora, em seu campo de golfe. O curioso é que ninguém mais ouve o grito. Ele se alia a um “médico da alma” para tentar descobrir a verdade por trás disso.
O tema espiritismo está de volta (de novo) em A Última Sessão. Dessa vez, não há médiuns exóticas e extravagantes. A médium em questão é uma moça bondosa e honesta, que se debilita a cada sessão e deseja ardentemente parar com elas. Seu noivo organiza aquela que será sua última sessão, uma materialização da filhinha desencarnada de Madame Exe, mas há uma atmosfera de perigo envolvendo a todos.
Em S.O.S., temos Mortimer Cleveland, um estudioso da mente e do oculto que atola o carro em uma noite chuvosa e termina em um chalé isolado, ocupado por uma família. A tensão do ambiente é percebida pelo seu sexto sentido aguçado e, mais tarde, ele percebe um S.O.S. escrito na poeira do batente de seu quarto.
De maneira geral, The Hound of Death and Other Stories possui momentos brilhantes e momentos apagados, contos bons e contos medianos. A coletânea foi recebida com torcer de narizes pela crítica, por serem “histórias de fantasmas, com pouco ou nada de policial”. Esse pode ter sido o motivo que levou as editoras americanas a dividirem a coletânea, buscando “diluir” os contos de fantasmas em contos policiais mais tradicionais (A Mina de Ouro e Três Ratos Cegos e Outras Histórias são traduções das coletâneas americanas correspondentes).
Se, por um lado, é fato que alguns dos contos são de uma Agatha Christie ainda não totalmente amadurecida como escritora, por outro, a qualidade deles não fica abaixo de outros contos policiais do mesmo período. E compreensível que alguns deles (particularmente os que têm uma solução inegavelmente sobrenatural) decepcionem aqueles que procuram crimes e detetives, mas são contos bons de mistério/terror/sobrenatural. Como já comentei, a habilidade de Agatha Christie em brincar com clichês para surpreender seu leitor já está presente mesmo em seus contos mais antigos.

Terminado esse pequeno tour pela obra fantástica da Dama, seja em suas breves aparições nos livros policiais, seja em carreira solo, o que fica para nós?
Como comentei no início, minha intenção era ser apenas uma guia turística, mostrando uma parte menos conhecida, mas não menos interessante, de uma bela cidade. Espero que, depois disso, cada um possa fazer seu próprio “roteiro de viagem” pela obra de Agatha Christie e, quem sabe, se divirta contando o número de aparições de personagens recorrentes e de sessões espíritas na obra não-fantástica dela.
A grande questão que pode surgir é: com uma pequena mudança de circunstâncias, tia Agatha teria seguido com suas histórias de fantasia e, talvez, feito romances com elas? Se ela tivesse feito isso, teria se tornado tão famosa como se tornou no gênero policial?
São questões de difícil resposta. A obra policial de Agatha Christie tem um selo próprio e inconfundível de estilo. Já sua obra fantástica, conforme ela confessa em sua autobiografia, frequentemente emulava o autor que ela estava lendo no momento da escrita. Mas é preciso levar em conta que ela era uma escritora muito imaginativa e gostava de experimentar coisas novas e mudar de ares. Talvez – e isso é apenas uma especulação ociosa de fã – sua obra fantástica tivesse amadurecido, se não fosse ofuscada pela obra policial (o gênero policial dava muito mais retorno no começo do século XX). Aliás, é bom notar que mesmos os contos policiais do início da carreira da Dama estão aquém do que estariam alguns anos mais tarde.
Especulações, especulações... O fato concreto que temos é que Agatha Christie se achou no gênero policial. Desde a publicação de O Misterioso Caso de Styles, em 1920, ela influencia leitores e mais leitores, em várias línguas. Foram 4 bilhões de livros vendidos, o que é quase um planeta inteiro de pessoas que leram Agatha Christie, quer tenham gostado, quer não.
Nada mal para uma jovem tímida que escrevia contos paranormais por distração, e foi recusada ao longo de anos por revistas literárias.

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