terça-feira, 29 de setembro de 2015

Resenhas de Drácula anotado e Lovecrat anotado

Comprei e li as duas obras juntas. Aqui vão as impressões:

Annotated Dracula (Bram Stoker & Leslie Klinger):

Eu já conhecia Leslie Klinger do monumental Sherlock Holmes Anotado, que foi publicado no Brasil em 9 volumes pela Editora Zahar. O autor é um estudioso sherlockiano apaixonado e eu fiz questão de colocar todos os volumes na estante. Essa obra é uma mina de ouro para informações da era vitoriana, além de trazer muitas interpretações alternativas das histórias de Sherlock, que são uma forma interessante de perceber contradições e furos nas histórias (ou, simplesmente, outras maneiras de se interpretar os mesmos acontecimentos). Além disso, os livros são feitos sob a premissa de que Holmes e Watson eram pessoas reais, e que Conan Doyle foi só o agente literário de Watson. Essa ficção inocente dá um sabor especial às discussões das histórias, e ao material complementar.

O Drácula Anotado foi feito depois dessa empreitada, e tudo o que eu disse em relação à obra acima pode ser dito em relação a essa. É visível que Klinger é apaixonado pela Inglaterra vitoriana. E Drácula é um livro com uma extensa bibliografia acadêmica, de onde o autor pôde tirar muita informação para suas notas. A "ficção" de que Drácula é um livro real é feita aqui (de uma maneira um pouco menos isenta do que em Sherlock Holmes, talvez porque o autor não parece ser tão fã de Drácula quanto de Sherlock), o que leva àquelas interpretações alternativas instigantes e reveladoras que citei ali acima. Por mais que eu tenha minhas próprias teorias a respeito de Drácula, o trabalho de Klinger foi tão abrangente e completo que ele adicionou ao invés de me irritar, como eu temia antes de ler o livro. Sabe como é, quando você gosta demais de algo, pode se tornar muito "protetor" do que gosta e ficar chato. Fico feliz de saber que ainda não estou tão chata. xD

Foi um livro quase perfeito para mim, pedindo só um pouquinho a mais de "vozes" e "teorias" diferentes, mas muito prazeroso. Ah, sim, vale a pena dizer que o autor é uma das poucas pessoas que pôde comparar o manuscrito original com a versão impressa do livro, e ele traz muitas informações inéditas para fãs e estudiosos do vampirão mais famoso do mundo.

Uma coisa que eu sei que é problemática para outras pessoas (apesar de não ter me incomodado) é que Klinger colocou tantas notas, mas TANTAS NOTAS que o texto frequentemente tem que ser interrompido por páginas só de notas. Como já estou mais que acostumada com a história e comprei só pelas notas, mesmo, não me incomodou. Além disso, amo textos com notas. Odeio ter que ficar indo ao fim do capítulo ler as notas, como no Sherlock Anotado, e amei o esquema de Drácula Anotado, colocando as notas nas margens. Infelizmente, sou obrigada a concordar que muita gente acha as interrupções do texto irritantes, e seria melhor ter arrumando outra maneira de colocar essas notas sem interromper o fluxo do texto.

No mais, a apresentação é maravilhosa. Vivo reclamando que as edições de Drácula raramente têm uma capa decente, mas a dessa edição é linda. As ilustrações são lindas, tudo é lindo. No início, eu estava receosa de comprar esse livro e ele aparecer traduzido no Brasil logo depois, mas agora, não tenho esse medo. A edição brasileira dificilmente seria tão luxuosa, e como Drácula é a inspiração de Bram & Vlad, uma das minhas maiores empreitadas criativas, então acho que merece esse pequeno "esbanjamento" de minha parte.



Annotated Lovecraft (H. P. Lovecraft & Leslie Klinger):

Eeeeee... Como eu queria dizer tudo o que eu disse acima a respeito de Annotated Lovecraft. A edição é maravilhinda, as ilustrações são lindas, tem menos notas que Drácula Anotado, e portanto o texto flui... E isso é parte do problema.

Em Sherlock Holmes Anotado e em Drácula Anotado, é possível ver paixão. Não é só o número de notas, é também a paixão pela "ficção" de que essas histórias realmente aconteceram, que levam àquele sabor delicioso de "aprender brincando". As especulações a respeito de "quem poderia ser o personagem tal no mundo real" levam o autor a explorar muitas personalidades reais que não foram abordadas pelas obras. Para mim, uma das grandes forças dos outros livros anotados que li do Klinger foi a forte intertextualidade, e o respeito e estima pelo "universo mítico" dos respectivos autores. Eram obras intelectuais, sim, mas com paixão.

O Lovecraft Anotado... não tem muito disso. É um livro muito mais "frio". A "ficção" está lá, mas muito distante. O Klinger faz um monumental dever de casa, traz toneladas de notas históricas maravilhosas, mas eu não consegui ver nesse livro aquela paixão pela obra do autor que existe nos livros anteriores.

A intertextualidade é pífia ou quase nula. Em O Caso de Charles Dexter Ward, por exemplo, há uma quantidade gigante e cansativa (para mim) de notas sobre Providence e as personalidades reais citadas no texto. Mas procure alguma anotação sobre o "universo" de Lovecraft e você se desaponta. Não tem quase nada sobre o elusivo Yog-Sototh, tão mencionado no texto. Nenhuma especulação sobre as "vítimas" de Joseph Curwen. Nenhum comentário sobre as explorações do Dr. Willet. Pelo amor de Deus, o Lovecraft estava piscando tanto quando colocou suas referências a Drácula no texto que só faltou chamar um personagem tal de Alucard e não tem nem uma notazinha reconhecendo isso. Nem. Uma.

Em Nas Montanhas da Loucura, temos lindas notas sobre as expedições antárticas, os aviões e tudo o mais, mas muito pouco sobre as conexões mil entre essa obra e outras. Nenhuma especulação sobre qual poderia ser a "Expedição Starkweather-Moore". Nessa história há mesmo uma nota onde Klinger diz que Lovecraft, em determinado ponto, escreve "pteridófita" quando deveria dizer "pterodáctilo", mas no contexto, tio HP escreveu perfeitamente certo. Ele estava falando de estruturas vegetais nas asas dos aliens, não sobre as asas em si. Uma falta de atenção imperdoável de um anotador tão cuidadoso. Tem outras, mas essa é uma das mais óbvias.

Enquanto não dava pra ler Sherlock Holmes Anotado e Drácula Anotado sem ter ao menos uma nota por página, Lovecraft Anotado tem páginas e páginas de texto sem anotação, sem comentários de personagens recorrentes, sem nada... Deu vontade de pegar minha caneta nanquim e fazer as anotações eu mesma. Ainda não me convenci a não fazer isso. Dane-se "estragar o livro", ele é meu e eu comprei pela informação, não pela beleza.

Enfim, me pareceu uma obra feita quase que com "má vontade", quando se compara com as demais.

Continua sendo uma edição obrigatória para grandes fãs de Lovecraft, e, se eu tivesse a oportunidade, não devolveria, nem pediria o dinheiro de volta. Só fiquei um tiquitinho decepcionada. É como se o melhor chef do mundo convidasse você para um jantar e te levasse no restaurante de outro, que ainda por cima tem uma estrela a menos. OK, a comida vai continuar sendo boa, muito acima do que você normalmente come, mas não dá para evitar a decepção.

Minhas teorias são que (a) reclamaram tanto que Drácula Anotado tinha anotações demais e que a "ficção" do Klinger não era legal, blábláblá, que ele resolveu ser "sério" (o que é um enorme desperdício) ou (b) como Lovecraft está na moda, chegaram um dinheiro no autor pra fazer essa edição anotada e ele pegou o trabalho, mesmo não ligando muito para a obra.

Para mim, é uma afronta pessoal que Lovecraft Anotado tenha mais estrelas na Amazon que Drácula Anotado. Sério, caras, não.

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